26 de abr. de 2012

Títere (IV)

Texto: FMAN
Ilustração: Isabele Linhares



1964
            Ele sabe que o sapo é perigoso. Pode soltar um leite que se pegar no olho pode cegar. A mãe disse. De cócoras, observa a inércia do anfíbio. Um lampião ilumina a varanda da casa de madeira. A mão larga a pedra há pouco pega.
Entra pela porta da frente, silenciosamente. No final do corredor que se estende a partir da porta, ouve o som da máquina de costura da mãe. Pé-ante-pé, entra pela primeira abertura à direita. Aproveitando apenas a luz do corredor, abre o armário do quarto dos pais. Tenta alcançar uma caixa de sapatos em um dos armários do quarto. Consegue, mas junto à caixa, acidentalmente arrasta um pequeno trabalho em gesso. De seu pai. Antes de rachar-se ao chão, a estátua tem o som da quebra abafada pelo reflexo de sua mão. Curva-se, alerta. A máquina de costura continua. Olha para a figura partida em duas no chão. Coloca a mão na boca e encolhe a barriga. Cata as duas partes da estátua e as coloca atrás da caixa que acabara de retirar.
De volta próximo do sapo, ele desenrola os barbantes brancos. Caminha, vagarosamente, até os fundos da casa. Ali, em um pequeno rancho, monta a armadilha.
É eficiente. Segura o sapo, com força, usando a mão esquerda. A direita, com habilidade, tece nós com o barbante. O tempo inteiro mantém os olhos protegidos pelos ombros.
            Logo que termina, salta para trás, desenrolando pequena parcela da totalidade do rolo de barbante. O sapo pula. Ele tensiona. O anfíbio cai verticalmente, de lado. Mas logo se recompõe.
            Ele manipula os fios. Correndo pelo cascalho, ora levantando os braços, ora relaxando-os.
            - Pula, sapo! Pula!
            Sorri. De um lado a outro, pelo cascalho.
            Há um portão rudimentar na frente da casa. Ele ouve seu barulho. Suas mãos soltam os barbantes. O pai surge na virada da varanda para o caminho de cascalho.


FMAN
Filippo Mandarino nasceu em Brasília em 1983, mas desde os três anos de idade mora em Curitiba. Já teve publicado um poema na revista Ideias e outros em jornais acadêmicos. Cursa Letras na UFPR e hoje tenta sobreviver como revisor, apesar de dizer a si próprio todas as noites antes de dormir que sua profissão é "Escritor". Blog: http://filippomandarino.blogspot.com

Isabele Linhares
Seu portfolio online: isabelelinhares.daportfolio.com

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