13 de jul. de 2012

Cemitério Hamasaki

Ilustração: Frede Tizzot
Conto: Florestano Boaventura


Mês passado recebi uma visita inusitada. Suri Hamasaki, da fábrica de brinquedos Tomo-no-kai, apareceu para tomar um café. Sempre a encontro nos jantares e bingos do Clube Nikkei, ponto de encontro da colônia japonesa no bairro.  Aliás, como é sortuda! Na última vez, levou um chuveiro elétrico e um jogo de toalhas da Marvel.  Estava louco pela do Hulk, mas eu, em bingo, não ganho nem pano de prato.
Hamasaki é descendente dos primeiros imigrantes isseis e nisseis que vieram morar no Uberaba. Herdou a fábrica, que inicialmente trabalhava apenas com brinquedos de bamboo e carrinhos de madeira. Hoje em dia são os bonecos infláveis da Jessica Biel que fazem mais sucesso.
Suri me trouxe de presente um pacote de bolinhos de feijão Azuki – iguarias que eu adoro e que retribui com vigorante café forte. Quem faz os bolinhos é outra amiga nossa, Mitiko Sakamori, dona de uma floricultura de plantas carnívoras na Salgado Filho.
Minha amiga então falou que o cemiteriozinho particular da tradicional família Hamasaki estava totalmente entregue a bandidagem e me perguntou se eu não poderia dar uma mão – aliás uma pata, para assustar os maloqueiros que andavam saqueando os túmulos ou se escondendo  no matagal em volta, após furtos nas imediações. Imaginou que se eu passasse algumas noites de lua cheia por lá, dando uns uivos, assustaria os salteadores. Na hora eu pensei, é claro, no banquete de carne fresca que estava me ofertando. Mas não comentei isso e, para manter a descrição, apenas aceitei solicitamente. Sempre fui muito bem tratado no bairro e desenvolvi uma amizade muito legal com os japoneses que moram aqui.
Na noite de lua cheia seguinte, passei a noite no cemitério. Demorou para aparecer alguém, mas eu estava bem acompanhado de alguns deliciosos charutos cubanos e de um radinho a pilha para ouvir os lances do jogo do Atlético.
O aperitivo foi um ladrãozinho de vasos. Pena que quando decepei a cabeça dele, as peças se quebraram. Vacilo total. Deviam estar ali há uns cem anos pelo menos. Para não levantar a lebre, levei os pedaços junto com os ossos num saco, pra casa. Vai que ainda dava pra colar com Super Bonder...
Depois apareceram outros larápios – se gabando de terem roubado rádios de carros e mais tarde também uns góticos profanadores de túmulos. Me fartei! Foi tanta carne que acabei levando as sobras pra casa. Lotou o meu freezer. Tenho comida para mais de mês, agora.
Daí eu e a Suri espalhamos pelo bairro o boato que uma fera demoníaca estava assassinando as pessoas no cemitério. Fizemos até um fanzine em xerox. Dissemos que tratava-se de um lobisomem oriental, defendendo os antepassados da família.
O sobrinho dela, Frede, nos ajudou com os cartazes. Desenhou a face aproximada da criatura, com o cemitério de fundo. Ficou bem legal o desenho! O piá leva jeito, acho que vou até convidá-lo para ilustrar uns contos na Lodo.
Criamos um nome, que eu nem lembro qual era, em japonês e distribuímos por vários pontos do Uberaba. Pelos botecos, panificadoras e principalmente nos clubes dançantes.
Parece que a ação funcionou, ela me disse hoje. Mas o problema é que agora, a paz do cemitério está sendo incomodada por cientistas e jornalistas do programa “Caçadores de monstros” do History Channel. Que saco! A gente se livra de um problema e aparece outro.

Frede Marés Tizzot
Formado em História e Direito, abandonou o mundo acadêmico para fundar a Editora e Livraria Arte e Letra, onde trabalha como ilustrador, capista, diagramador, editor, revisor, tradutor...

Florestano Boaventura
Editor de uma revista de cordel, com temática horror, chamada LODO. A publicação circula  pelos becos de Curitiba desde 1948, e foi relançada junto com a LAMA nº 2 em 2011.
Alguns contos podem lidos em: www.revistalodo.blogspot.com.br.

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