20 de nov. de 2012

Inglórias

Texto : Luiz Bertazzo
Ator: Marlon Anjos
Fotografias: Marco Novack
Arte: Marja Calafange
Figurinos : Day Bernardini & Renata Luciana
Maquiagem : Carol Suss e Dalvinha Brandão
Apoio : TRIO LUZ, XIK & COUVE -FLOR Minicomunidade Artística Mundial





Estrelando: 

Demia Fina

Darlene, a Gentil

Stephânia, a Bruta

Para mim era como uma dessas inúmeras lendas urbanas e só. Sabia claro da existência das mortes em confrontos patéticos entre nós e... Essa gente!!!!
Campos de batalhas em saídas das boates, nos calçadões de madrugada, mortos deste e daquele lado, as nossas baixas sempre acreditei não passarem de um amadorismo dos nazi-novatos, uma mistura de ansiedade por sangue e a força descomunal dos saltos afiados no asfalto. Qualquer rumor de seres bestiais enviados da morte de batom pareciam delírios daqueles que sobreviveram ao confronto e que de nós recebiam a correta punição com sangrias, rituais medievais para purificar o sangue fraco e derrotado.



Este sangue que sinto agora na minha boca é um sangue puro, não tem o cheiro, nem o gosto do sangue ralo daquelas ovelhinhas fracas da fraternidade, é o gosto vermelho de um de nossos melhores homens, coagulado em anos de honra defendida por nossos coturnos, servido agora em uma taça de espumante. Na borda do cristal uma grosseira gordura cor-de-rosa de mancha de batom. Elas provam e servem pra mim o líquido que até pouco tempo atrás corria nas veias de Talles.





Talles e eu crescemos juntos na vida e nas botinadas nas faces das bestas, casei-me com sua irmã, uma loira leite, tal qual meu filho que nasceu ontem. Éramos só comemoração, um legitimo pura raça, as transparências da pele fina dele revelavam um emaranhado de veias azuis que me enchiam de orgulho. Em uma delas eu tenho certeza, eu vi o símbolo cruzado, feito minha tatuagem que carrego no peito esquerdo. Talvez pela emoção carregada estávamos desatentos, havíamos acabado de liquidar uma dessas frágeis borboletas bêbadas, sozinha na saída de um de seus antros no centro histórico da cidade, era uma noite de comemoração. –“ Uma borboletinha de leve!!”, como dois amigos que saem para tomar “uma cervejinha de leve” num happy hour depois de uma promoção. Não queríamos grandes emoções, só pichar o asfalto de vermelho e voltar pra casa.


Descendo pela rua escura vimos algo como um brasão correndo em nossas direções, sou surpreendido por um cheiro de perfume doce misturado a um suor de armaduras. Não sei bem ao certo como me deixei golpear. Com os olhos cerrados no chão só pude ver Talles dançar uma coreografia ridícula tentando se livrar do salto enterrado no seu tímpano.


Sinto agora minhas cicatrizes ardendo e borbulhando da champanhe derramada sobre elas. Risadas histéricas, ao fundo algum clássico daquela puta loira dos anos 80. Dançam freneticamente. Será esse seu ritual de morte? PATÉTICO, sem o mínimo da decência de nossos grandes feitos, dos dentes quebrados de seus semelhantes no meio fio das ruas de paralelepípedos. Não posso mentir que estou assustado, preciso reconhecer no diabo sua força.  São três as cavaleiras  do inferno, fui apresentado a elas assim que recobrei a consciência. DEMI a Fina, aquela do brasão, sua imagem me violenta em todos os sentidos, seu sadismo é tão elegante quanto os trajes em que está vestida. Repousa minhas mão em baldes de agua fria me aplicando pequenos choques com o secador de cabelos em punho. E ri sempre armada de uma taça de um champanhe fino comprado certamente pela herança que um pai desolado deve ter lhe deixado. Penso em mil formas de combate-las quando sair daqui. Até o mais cruel dos skins se sensibilizam com os gritos de misericórdia das libélulas no asfalto. Mas com DEMI seria cruel sem piedade. Meteria goela abaixo as mais finas marcas de batom até seu estomago explodir na banha rosa choque desses produtos, mas nada se compara ao que guardaria para DARLENE a Gentil, seu sotaque de puta brasileira erradicada na França entra nos meus ouvidos como choques anafiláticos ao mundo de testosterona que fui criado e pretendo passar pro meu filho. Apelidei-a de Gentil, pois no momento em que entrei nesse cativeiro tinha a impressão de conseguir seduzi-la em troca de liberdade, está na cara dela os olhos brilhantes e sedentos de sexo, foi ela que com a maior das gentilezas me ofereceu um copo d`agua, não podia imaginar que seria ela também que tiraria da jugular de Talles o cálice de sangue que me serviria logo depois, DARLENE a Gentil penetra em meus orifícios algumas rosas que combinam com o enjoativo perfume doce que usa, rosas encharcadas de querosene afim de queimá-las das pétalas até o talo. Gentil como uma puta criada na Europa. Penso em todas as atrocidades que sou capaz de cometer.  Penso para conseguir dormir em Paz, pois sei que daqui não saio vivo.  Foi o que ouvi de STEPHÂNIA a Bruta, dura como uma rocha, ela quem respondia aos meus olhares que gritavam dentro de mim “- CHEGA, por misericórdia!!!” os motivo dessa captura. Lia nomes de suas amigas abatidas, nomes ridículos, misturas de divas dos anos 50 com sobrenomes forçadamente sonoros.  Tento me defender quando percebo que nem língua tenho mais, mutilada assim como todos os dedos da minha mão direita que agora jaz junto ao soco inglês emoldurado na parede. Desespero, fraquejo, mas retomo minhas forças ao olhar fundo nos olhos de STEPHÂNIA e ver que neles refletem minha retina. Consigo ver uma imagem... É nítido!!! Dizem que no fundo dos olhos antes de morrer está gravado, entalhado a última imagem que te fez sorrir, e pude ver nos grandes olhos da besta... Eu vi... Refletido dos meus, meu filho e suas veias azuis, meu herdeiro que um dia ouvirá minhas histórias, que um dia vingará minha morte.




Marco Novack
Publica suas imagens no site: http://www.marconovack.com.br

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